A MP do gabinete do ódio?, por Natália Bonavides

“Precisamos falar sobre como os termos da MP 954 são extremamente preocupantes”

“A Exceção e a Regra” (Bertold Brecht)
Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso
Mas não se esqueçam
de que o abuso é sempre a regra.

Tantas coisas em poucos dias. Poderia escrever sobre Bolsonaro haver dito que tem um dossiê da inteligência sobre planos de Maia e Alcolumbre para derrubá-lo, revelando menos sobre Maia e Alcolumbre, e mais sobre sua disposição em espioná-los. Poderia escrever sobre Bolsonaro ter revogado as portarias que tratam de rastreamento, identificação e marcação de armas e munições, tornando mais difícil seu controle, para a alegria das milícias e sob esperado silêncio do ex-juiz Sérgio Moro. Poderia escrever sobre o vídeo que o filhote Carlos Bolsonaro postou ontem, mostrando homens com camisetas de Bolsonaro, eufóricos, atirando, numa cena que poderia ser explicada tanto sob a ótica da Ciência Política como por Freud (talvez estivessem eufóricos pela revogação das portarias há pouco mencionadas!). Poderia escrever sobre Bolsonaro ter discursado, ontem, numa manifestação de pessoas que se aglomeraram em plena pandemia para pedir um golpe militar.

Mas vamos ter foco. Vim para falar da nova medida provisória (MP), a 954. Publicada sexta (17) em edição extraordinária do Diário Oficial da União, a MP determina que as empresas de telecomunicações fornecerão os nomes, números de telefone e endereços de seus clientes para o IBGE, para utilização em pesquisas domiciliares. Mais uma vez uma medida provisória, sem diálogo e que já começa a valer sem nenhum debate com o legislativo e demais órgãos de controle.

A produção de dados e de estatísticas neste momento de crise sanitária e de pandemia de Covid-19 é essencial. Dito isso, precisamos falar sobre como os termos da MP 954 são extremamente preocupantes. Faço parte da CPMI das Fake News e registro a extrema cautela que devemos ter com a permissão de acesso a números de telefone, nome e endereço de toda a população.

Dias após sabermos que Bolsonaro teria vetado um acordo com as empresas de telefonia para a utilização de metadados anônimos de geolocalização para monitorar o isolamento, justificando que isso arriscaria a privacidade da população, o governo edita uma MP que permite acesso a informações individualizadas de todos que tenham linha de telefone.

É isso mesmo: uma entidade cuja presidência é nomeada por Bolsonaro terá o contato de Whatsapp de cada cidadã e cidadão do Brasil. Isso no momento em que o gabinete do ódio (aquela estrutura de disseminar fake news e atacar as instituições) que funciona na presidência está a todo vapor, espalhando todo tipo de mentira sobre o próprio coronavírus e sobre autoridades públicas.

Há quem diga que não há motivo para preocupação, já que a medida só prevê o acesso a esses dados pelo IBGE e de forma sigilosa. O instituto e seus servidores cumprem um papel importantíssimo na produção de dados sobre o Brasil e seu trabalho precisa ser valorizado e ter todo o nosso reconhecimento. No entanto, poderíamos discutir se seria o caso de se despreocupar se não estivéssemos sob um governo anti-ético, absurdo, autoritário e canalha. E golpista. Bolsonaro é quem tem o poder de colocar qualquer pessoa na presidência da entidade que terá essas informações.

É desejável que os órgãos oficiais busquem informações precisas e as mais seguras estatísticas, sempre e em especial nesta crise. Mas uma intervenção tão grande na privacidade das pessoas precisa estar muito mais amarrada em garantias contra abusos; precisaria, no mínimo, vir acompanhada da previsão de mecanismos fortes que coíbam a má utilização – até criminosa – desses dados!

Do contrário, o que poderíamos ganhar com informações preciosas no combate à doença poderia facilmente se anular com a desinformação que esses criminosos são capazes de massificar. Eles estão fazendo isso agora: as mentiras sobre a forma de contágio, sobre falsas curas; as tentativas de desqualificar evidências científicas e desacreditar dados sobre as mortes, tudo isso está acontecendo neste momento. Fake news podem matar! E seu potencial de destruição pode ser ampliado com o acesso a informações sigilosas da população.

“Ah, isso é paranoia.” Desculpem-me, não é. Que o diga Steve Bannon, mentor dos filhotes do genocida que ocupa a presidência hoje. Estaria o gabinete do ódio, essa organização criminosa que funciona no Planalto, pertinho de ter o “zap” de cada brasileira e brasileiro?

*Natália Bonavides é deputada federal pelo PT/RN

Natália Bonavides

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